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Friend Tech: nova rede social descentralizada ou esquema de pirâmide disfarçado?

Friend Tech

Se você não tem acompanhado o mundo web3 nos últimos dias, talvez esteja por fora do mais novo aplicativo popular da comunidade, o Friend Tech, uma rede social descentralizada que permite que usuários comprem e vendam “ações” tokenizadas de perfis de indivíduos no X (antigo Twitter) em troca de alguns benefícios e ganhos financeiros.

Em outras palavras, podemos dizer que a proposta do Friend Tech é transformar seus amigos em tokens, onde cada perfil do X possui uma quantidade de “ações” que podem ser compradas e vendidas livremente. Ao comprar essas ações, por exemplo, você tem acesso a um chat privado do criador. De forma simples, funciona da seguinte forma. Imaginemos o cenário a seguir:

print do novo aplicativo popular da comunidade, o Friend Tech

1) Você compra a “ação” do Vitalik Buterin;

2) Quando um usuário compra a ação de outro usuário, o protocolo permite que eles troquem mensagens privadas entre si. Ou seja, a partir daí, você pode mandar mensagens privadas diretamente para Vitalik;

3) Vitalik, então, responde dúvidas e perguntas de seus “holders” diretamente por meio do chat, ficando visível para todos os holders de suas “ações”.

 

O protocolo é construído sobre a rede de 2ª camada da Coinbase, a Base. E, a cada transação, há uma taxa de 10% (5% para o criador e 5% para a plataforma), sendo que o spread das negociações representa o lucro do proprietário. E, mesmo sendo tão embrionária, com sua versão beta tendo sido lançada no último dia 11, a plataforma vem registrando uma atividade assustadora.

Já foram aproximadamente US$ 6 milhões em taxas geradas desde seu início. Somente nas últimas 24 horas, por exemplo, foram US$ 840.889, colocando o protocolo à frente do Bitcoin e da Uniswap.

 

Até o momento da redação deste artigo, a receita total do projeto, desde seu lançamento, era de impressionantes US$ 2,95 milhões.

 

Supostamente, um indivíduo conhecido pelo pseudônimo Racer é considerado o responsável pelo projeto. Segundo um engenheiro sênior de software da Coinbase, Racer já esteve por trás da criação das redes sociais descentralizadas TweetDAO e Stealcam. Essa última, uma rede social de fotos compartilhadas na blockchain de forma oculta, onde é possível pagar para revelar e “roubar” a foto dos amigos. Seu destino foi um hype inicial e uma posterior queda abrupta em atividade e receitas.

Já com a Friend Tech, Racer tem como alvo figuras influentes no mundo das criptomoedas, aquelas que possuem uma base significativa de seguidores. Esses influenciadores poderão receber royalties provenientes das taxas de transações. Além disso, a Friend.tech tem como foco projetos relacionados à Web3 que buscam fortalecer suas conexões com fundos de investimento de risco e os principais players do setor.

No entanto, apesar das métricas significativas e da rápida adoção virem chamando atenção, nem tudo são flores. Na verdade, há uma série de pontos controversos e que merecem igual destaque para que os investidores saibam exatamente onde estão investindo.

Antes de mais nada, chama a atenção o fato de que a conta da rede social no X (Twitter) foi criada em março de 2023, mas seu primeiro post aconteceu somente em julho, convidando pessoas a se juntarem.

postagem do Friend Tech no antigo twitter

 

Além disso, o Friend Tech define a proposta de sua rede de forma bem particular, como “experimentos sociais financeiros”.

 

Afinal, como funciona a precificação dessas ações?

Em suma, quando há uma compra, uma ação é criada, e quando há venda, uma ação é “queimada”, controlando a precificação do ativo desta forma. Assim, podemos dizer que essa compra e venda não dependem de uma contraparte para acontecer, e sim de uma fórmula matemática: Número de ações elevado a ²/1600 * 1ETH. Vamos simplificar.

Em outras palavras, a curva de precificação das “ações” não é baseada em oferta e demanda, e sim em uma função quadrática exponencial, onde quanto mais se compra, mais se multiplica o preço da próxima ação. E, lógico, o inverso também é verdadeiro, onde quanto mais se vende, mais se diminui. Ou seja, na prática, quanto mais holders, mais caro fica para o próximo comprador.

 

 

Se isso torna as valorizações exponenciais, também torna as desvalorizações exponenciais. Ou seja, a curva quadrática define que a partir do momento em que não há uma quantidade maior de compradores em relação aos vendedores, os preços perdem a sustentabilidade e tendem a cair, assim como uma pirâmide.

Em suma, há um cenário propício para uma extrema volatilidade! Mas quem chega antes, claro, bebe água limpa. Isso é pauta para o próximo tópico.

 

Qual o incentivo? Friend Tech é sustentável?

Como mencionamos, para cada transação existe uma taxa de 10%, onde metade é destinado à plataforma e metade ao criador. Isso, da perspectiva do criador, elimina a necessidade de venda de suas próprias ações, estimulando grandes influenciadores a adotar o aplicativo. No entanto, em nossa percepção, essa adoção visa somente o curtíssimo prazo antes do dono da conta pular fora do Friend Tech, assim como o início de um esquema de pirâmide.

Não parece haver um alinhamento de incentivos interessante para sustentar a rede social em um longo horizonte, uma vez que a maior parte da possibilidade de ganhos dos usuários vem justamente no começo, decorrentes da valorização exponencial das ações naquele modelo de curva que falamos anteriormente.

Ou seja, apesar da narrativa de que você está comprando uma “ação” de uma conta do Twitter, isso é pura ficção, uma vez que você não adquire nenhum direito à monetização da conta ou a uma renda futura. O que você está comprando, além da especulação das ações, é unicamente o acesso ao diálogo com um influenciador em um chat privado, e não há qualquer estímulo para que esse influenciador permaneça interagindo no chat continuamente.

Assim, tudo leva a crer que, da mesma forma que nos esquemas de pirâmides uma vez que a maior parte desse dinheiro entra em jogo, proveniente da adoção dos seguidores atraídos pela ideia de “bater papo” com a celebridade, haverá um clássico “exit liquidity” onde quem entrou tarde será feito de liquidez para a saída de quem entrou cedo. Há muito incentivo para atração de usuários no começo e quase nenhum para mantê-los depois.

 

Outros riscos: política de privacidade, garantias de custódia sobre “ações” e acesso à sua conta do X (Twitter).

  • Ontem, um colaborador anônimo da Yearn Finance, chamado Banteg, publicou dados vazados mostrando que já são mais de 100 mil usuários da Friend Tech, fornecendo endereços das carteiras e nomes de usuário do Twitter destes participantes. Não se enganem, a plataforma hoje não possui sequer política de privacidade disponível.
  • O projeto é extremamente obscuro em termos de documentação, não tendo whitepaper ou discord oficial para comunicação dos integrantes do ecossistema.
  • Além disso, nos termos e permissões do aplicativo há a concessão da autorização para que o Friend Tech acesse sua conta no X (Twitter) e faça postagens em seu nome.
  • Por fim, mas não menos importante, você não possui custódia sobre as “ações” compradas e elas não funcionam sob a lógica de NFTs que estão sob sua posse em sua carteira, por exemplo.
  • A Base, plataforma na qual o Friend Tech está hospedado, já vem sendo conhecida como novo lar para golpistas, a exemplo do recente token “BALD”. Não dá para descartar a possibilidade de que o Friend Tech seja mais um app nesse sentido.

 

Estou ciente e quero continuar: como faço para participar?

Diante disso, mesmo ciente dos riscos, caso você queira participar é aconselhável que entre apenas para “testar” com um dinheiro que você está disposto a perder.

  • Para obter acesso, por hora, é necessário ter um código de referência de alguém que já está no app. Você pega este convite e se cadastra com o perfil do X (Twitter).
  • Feito isso, você precisará depositar uma quantia mínima de 0.01 ETH pela mainnet ou pela L2 da Base.
  • Comprar a primeira ação de você mesmo (de graça)

A partir daí, suas “ações” estão à venda.

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Caio Goetze

Formado em Direito pela PUC-RJ e pós-graduando em Direito Digital pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) em parceria com a UERJ, conta com 3 anos de experiência e diversos cursos de formação acadêmica de bagagem no “criptomercado”.

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