Desde o surgimento da pauta dos CBDCs, as moedas digitais dos bancos centrais, temos alertado sobre os perigos do excesso de controle e hipervigilância estatal, bem nos moldes de uma sociedade Orwelliana onde vigora uma espécie de “Big Brother”.
Para quem não está familiarizado com o termo, na sociedade de 1984 alertada por George Orwell, todos estão sob vigilância do governo por telas bidirecionais que funcionam tanto como televisor quanto como câmeras que filmam quem está atrás delas. Mas o que isso tem a ver com o assunto desse insight?
Na semana passada, mais especificamente no dia 6, o Banco Central brasileiro publicou o código-fonte de sua CBDC no GitHub, possibilitando que o público fizesse uma auditoria do sistema. Acontece que não foi necessário muito tempo para que um desenvolvedor de blockchain, Pedro Magalhães, conseguisse descobrir funções nesse código que permitiriam que a autoridade central pudesse congelar fundos, reduzir saldos de usuários do sistema, movimentar valores de um endereço para outro e criar ou gravar reais digitais em endereços específicos.
Lembrem-se do clássico jargão constantemente pregado pelos criptonativos:
“Se os ativos não estão sob sua posse, não são realmente seus”.
Essa é a importância da autocustódia e é por isso que CBDCs nunca serão criptomoedas por essência!
Em outras palavras, os desenvolvedores começaram rapidamente a analisar o código e descobriram que o contrato inteligente incluía uma funcionalidade de administração chamada “Controle de Acesso”, que o Banco Central poderia compartilhar com entidades confiáveis. Essa função, neste contexto, funciona de forma semelhante a direitos ou privilégios administrativos em uma rede de computados, e é ela a responsável por permitir que entidades confiáveis executem as ações que falamos anteriormente.
Vale ressaltar que, na ocasião da disponibilização do código, foi explicado que o projeto-piloto era destinado apenas para utilização em um ambiente de testes e que a “arquitetura apresentada pode estar sujeita a alterações adicionais”. Contudo, o Banco Central não esclareceu expressamente se essas funções serão ou não mantidas na versão final.
A entidade afirmou que “o Banco Central e as instituições já possuem funcionalidades similares no atual ambiente de sistemas como SPB e PIX, onde a utilização dessas funcionalidades é administrada por leis e regulações”.
Dito de outra forma, a agência reguladora informou à mídia local que tais funcionalidades já existem no sistema financeiro tradicional de alguma forma para combater atividades financeiras ilícitas, e seu uso é amplamente regulado pelo governo. Seja o pretexto ou a motivação que for, para bom entendedor, meia palavra basta.
Aqui, no entanto, cabe fazer um “mea culpa”. Naturalmente, em um Estado de Direito regulado como tal, algumas funções inerentemente fazem sentido de existir. Outras, no entanto, parecem-nos mera liberalidade e excesso de controle do regulador. Além disso, não há qualquer especificidade no código que nos permita saber as circunstâncias nas quais os tokens podem ser congelados ou até mesmo quem tem o poder de congelá-los, por exemplo.
Não seria interessante levar o debate a público e discutir com a população?
Afinal, novamente fazendo um “mea culpa” (e talvez forçando um pouco a barra), também há benefícios que poderiam ser conquistados com a implementação dos CBDCs, como a rastreabilidade dos impostos, por exemplo, permitindo que a população inspecionasse a destinação dos fundos recolhidos e também as compras feitas de forma “on-chain” pelos estados, gerando transparência dos recursos de emendas parlamentares.
O fato é que diante de tantos ruídos intrusivos encontrados nos códigos, os entusiastas das criptomoedas têm levantado persistentemente preocupações sobre o potencial de uma CBDC limitar a liberdade financeira ao possivelmente restringir a participação de indivíduos no sistema financeiro.
Algumas pessoas argumentam que os governos não podem ser confiáveis com um controle tão vigoroso das finanças de um indivíduo e que a privacidade financeira é um direito humano e universal básico!
Por isso, o piloto da CBDC brasileira, que inclui algumas das funções que defensores da privacidade têm alertado, vem sendo identificado pela comunidade como uma causa imediata de preocupação. Nenhuma novidade, convenhamos…
Vale ressaltar que até o famoso denunciante do governo norte-americano, Edward Snowden, vem alertando há sobre os riscos de CBDCs se tornarem “instrumentos de política”. Ele afirmou em uma entrevista de 2021 que as CBDCs são “moedas criptofascistas” que podem “aniquilar” as economias de um trabalhador com salário médio. Se isso não te incomoda agora por algum viés político específico ao qual você seja afeto, lembre-se que amanhã o afetado pode ser você.
Na outra ponta, muitos legisladores dos Estados Unidos têm levado essas preocupações a sério e estão trabalhando em métodos para tentar bloquear o desenvolvimento de CBDCs no país. O Federal Reserve, inclusive, afirmou publicamente que não pretende desenvolver uma CBDC porque os sistemas atuais já estão adequados para transações domésticas.
Já no Reino Unido e na maior parte da Europa, não há evidentemente uma predominância desse sentimento de receio, e diversos países estão em diferentes estágios de desenvolvimento de suas próprias CBDCs.
Se você tem interesse no assunto das CBDCs, temos alguns artigos para mais informações: