Em um contexto de rápida evolução da tecnologia blockchain, a interoperabilidade tornou-se uma questão-chave, já que diferentes redes de blockchain têm dificuldade de comunicação entre si. Afinal, sem uma interoperabilidade efetiva, cada blockchain opera de forma isolada, como uma espécie de “ilha” autônoma, segregando os usuários por trás de diferentes redes de primeira camada.
E, por óbvio, isso gera ecossistemas independentes operando em cada cadeia, o que seria totalmente diferente caso houvesse comunicação entre as diversas ilhas.
Isso, infelizmente, também tem tornado mais difícil para os usuários finais interagirem com os aplicativos e protocolos descentralizados mais úteis e eficientes, já que eles precisam gerenciar carteiras independentes para cada cadeia com a qual desejam interagir. Além disso, há uma grande duplicação de esforços, com muitos desenvolvedores de DApps optando por implantar seus contratos inteligentes em várias blockchains diferentes, potencialmente dividindo sua comunidade e introduzindo obstáculos de interface.
Esse cenário também acaba gerando um inevitável crescimento de clones e imitações de blockchains, que copiam fórmulas e produtos que já tiveram sucesso em uma rede e os implantam em uma outra, além de estimular estratégias predatórias desnecessárias, com as “primeiras camadas” competindo por talentos e pelos DApps mais populares, oferecendo fundos consideráveis de seu ecossistema e firmando acordos de exclusividade com DApps promissores.
Acho que já ficou bastante clara a importância de blockchain “layer 0” ou blockchain de camada zero, que são justamente as que oferecem uma solução para esse problema, permitindo a comunicação e a interoperabilidade entre as redes e contribuindo para um ecossistema mais coeso!
A partir disso, no decorrer deste artigo, iremos responder os seguintes tópicos:
O que é uma Blockchain de camada zero?
Como funciona uma Blockchain de camada zero e qual sua importância?
Quais são as camadas mais proeminentes?
O que é uma Blockchain de camada zero?
As “camadas 0” são blockchains que visam facilitar a troca contínua de dados e valor entre blockchains independentes, potencialmente incluindo plataformas de 1ª camada e 2ª camada.
Como mencionamos, atualmente, a maioria das blockchains está isolada uma das outras, cada qual com seu próprio registro, seu próprio conjunto de contratos inteligentes e, em muitos casos, sua própria base de usuários, o que às vezes gera uma competição desnecessária.
As camadas zero mudam esse paradigma, ajudando os desenvolvedores a favorecer a cooperação em detrimento da competição, garantindo que as aplicações e produtos que desenvolvem em uma cadeia possam se comunicar e interoperar com ativos e usuários presentes também em outras cadeias.
A maneira como isso é realizado pode variar consideravelmente entre as plataformas, desde protocolos de interoperabilidade completos, como o framework Substrate da Polkadot, até soluções mais modulares, como o protocolo Inter-Blockchain Communication (IBC) da Cosmos.
Portanto, em suma, ao criar uma rede de blockchains conectadas, as camadas zero visam derrubar as barreiras entre diferentes redes de blockchain e promover um ecossistema mais colaborativo e interoperável.
Aliás, a ideia do conceito de “camada zero” vem justamente daí, sendo a estrutura comum que alicerça todas as blockchains. Isso pode potencialmente desbloquear novas oportunidades para inovação e desenvolvimento, bem como maior eficiência e escalabilidade na indústria de blockchain. Também pode ajudar a impulsionar novos casos de uso que aproveitem as propriedades únicas de várias blockchains diferentes.
À medida que o espaço blockchain continua a evoluir e amadurecer, as camadas zero provavelmente desempenharão um papel crucial na viabilização da troca contínua de dados e de valor entre diferentes redes, motivo pelo qual esse é um nicho que figura entre as principais apostas para os próximos anos.
Como funciona uma Blockchain de camada zero e qual sua importância?
O cenário das camadas zero é relativamente diversificado, com mais de uma dúzia de plataformas competindo para se tornarem a solução que fechará as lacunas entre blockchains.
Todas elas visam conectar diferentes redes para formar um ecossistema mais coeso e interoperável, onde a comunicação entre cadeias é simples e eficiente. A forma como tentam alcançar isso, é claro, varia de plataforma para plataforma, mas costumo gostar bastante da analogia que fizemos em um de nossos relatórios (e que você pode acompanhar na imagem abaixo):
Dito isso, existem algumas técnicas, princípios, protocolos e tecnologias subjacentes comuns que a maioria dessas plataformas utiliza. Alguns deles incluem:
- Atomic swaps: As blockchains de camada zero usam atomic swaps para mover ativos de uma blockchain para outra sem a necessidade de um intermediário confiável. Atomic swaps permitem casos de uso como pools de liquidez entre diferentes redes e também negociação de ativos entre redes.
- Oráculos de dados entre blockchains: Eles permitem que as blockchains acessem e aproveitem dados confiáveis fora da cadeia (“off-chain”) de forma segura e permitem que blockchains independentes de 1ª camada e de 2ª camada acessem informações de várias cadeias diferentes.
- Consenso compartilhado: Ao oferecer um mecanismo de consenso único para todas as cadeias associadas, as blockchains de camada zero podem melhorar significativamente a eficiência e maximizar a utilização de recursos disponíveis. Isso também pode levar a uma segurança melhorada, suportando uma rede de validadores maior e mais diversificada, que algumas cadeias independentes só conseguiriam com alguma ajuda. Em outras palavras, muitas blockchains de layer 0 oferecem um recurso de segurança compartilhado para cadeias conectadas, permitindo que elas iniciem sua própria rede de nós ou mineradores e permaneçam seguras, mesmo que sejam relativamente pequenas ou inativas. O relay chain da Polkadot é um exemplo proeminente onde as parachains podem se beneficiar da segurança central oferecida pelos validadores que operam na relay chain.
- Transmissão arbitrária de mensagens: Praticamente todas as camadas 0 possuem um meio de transmitir mensagens arbitrárias entre as cadeias, permitindo a troca contínua de dados entre todas as cadeias do ecossistema da camada 0. Alguns exemplos de tecnologias e protocolos de transmissão arbitrária de mensagens incluem o “Cross-Consensus Message Format (XCM)” da Polkadot e o SDK’s Inber-Blockchain Communication Protocol (IBC) da Cosmos SDK (IBC).
- Ponte: Por fim, mas não menos importante, a grande maioria das plataformas de interoperabilidade utiliza pontes, que por sua vez utilizam uma combinação de contratos inteligentes e APIs para facilitar a comunicação entre duas ou mais cadeias e podem ser implementadas de várias maneiras, seja por mecanismos centralizados ou descentralizados. Aqui, vale o adendo de que as pontes tem sido um dos principais alvos de hackers nos últimos anos.
Quais são as camadas mais proeminentes?
O cenário das camadas 0 é atualmente um dos setores em mais atividade de desenvolvimento no mundo das criptomoedas, com os desenvolvedores fazendo o que podem para maximizar a interoperabilidade entre cadeias independentes e desbloquear novas oportunidades para usuários e criadores.
Essas plataformas competem em várias métricas, incluindo recursos de interoperabilidade, segurança, ecossistema, comunidade e adoção. Embora várias plataformas estejam atualmente à frente, como Polkadot e Cosmos, não há um consenso claro sobre qual (is) L0(s) dominará a indústria nos próximos anos.
I. Polkadot
De longe a plataforma de camada 0 mais conhecida e talvez a mais abrangente, Polkadot foi financiada em 2017 em um dos maiores ICOs de todos os tempos.
De forma muito resumida, a plataforma consiste em uma relay chain central à qual uma ampla variedade de parachains está conectada, cada uma das quais é uma blockchain independente e específica de aplicação.
A dinâmica funciona mais ou menos como hub central de conectores, uma “régua de tomadas”, onde é possível conectar vários aparelhos eletrônicos a uma única fonte de energia.
A Polkadot permite a transferência de dados e tokens entre essas parachains sem restrições, permitindo a interação entre aplicativos e ativos em diferentes blockchains de maneiras anteriormente impossíveis.
Já as blockchains existentes que não são baseadas em Substrate, como Ethereum e Bitcoin, podem ser integradas por meio de pontes, permitindo que ativos dessas cadeias sejam transferidos com segurança para a Polkadot e vice-versa.
Isso porque a Polkadot é construída usando o framework Substrate da Parity Technologies e usa um sistema de seleção de validadores Nominated Proof of Stake (NPoS) altamente eficiente em termos de energia para proteção contra ataques e manutenção da descentralização.
Outros benefícios incluem um poderoso padrão de mensagens entre cadeias conhecido como XCM, uma solução de finalidade quase instantânea (GRANDPA) e governança on-chain para detentores de DOT.
Como a Relay Chain tem recursos limitados, há um número limitado de slots de parachain inicialmente. Para garantir que apenas os projetos mais promissores e úteis ocupem esses slots, a Polkadot utiliza um sistema de leilão de slots em que usuários e projetos fazem lances para arrendar uma parachain.
II. Cosmos
A segunda plataforma de camada 0 mais conhecida, a Cosmos, foi projetada para alimentar uma rede interconectada de potencialmente milhares de blockchains que compõem a Cosmos Network.
Um dos pilares fundamentais da Cosmos é o Protocolo de Comunicação entre Cadeias (ICP), que é usado para trocar dados e ativos entre blockchains no ecossistema da Cosmos.
Para que as blockchains soberanas sejam compatíveis com o IBC, elas devem ser capazes de realizar algumas funções mínimas, mas não há limites para seu mecanismo de consenso.
No cerne desta “Internet das Blockchains” está o Cosmos Hub, que foi a principal blockchain na Cosmos Network e foi projetada para se conectar e interagir com as outras blockchains na rede. Como muitas plataformas de camada 0, a Cosmos usa um sistema de pontes e nós relayers para migrar ativos e dados entre cadeias, permitindo que sejam usados em toda a Cosmos Network.
O ecossistema Cosmos também inclui aplicativos que ajudam a suavizar ainda mais as lacunas entre diferentes cadeias de aplicativos. Isso inclui a Onomy, que abarca o Access Wallet, permitindo que os usuários participem do staking e governança de todos os seus ativos por meio de uma interface única, ou se conectem a aplicativos do ecossistema Cosmos como Sommelier, Osmosis, Juno e Secret Network em um só lugar.
