NFTs no Bitcoin: solução ou ameaça? I Hub do Investidor

NFTs no Bitcoin

As “inscrições” no Bitcoin usando “ordinais” viram um “boom” nos primeiros meses de 2023. Se você ainda não ouviu falar nestes termos, vamos por partes. O Ordinals, um novo protocolo bastante polêmico implantado no Bitcoin, possibilita que inscrições de mídias digitais como vídeos, áudios, imagens e jogos sejam anexadas às transações do Bitcoin, gerando um “hype” na comunidade que passou a se ver diante de “NFTs” na maior blockchain em capitalização de mercado do mundo.

Na verdade, há mais de 30 anos, Hal Finey já estudava um método criptográfico, apelidado de Crypto Trading Cards, capaz de facilitar a venda de ativos digitais. Depois de 2008, com a criação do Bitcoin, Finey chegou a afirmar que esta poderia ser uma forma de impulsionar a popularização da rede, e outros desenvolvedores também passaram a estudar meios de vincular artes digitais à blockchain através de sidechains ou soluções de segunda camada.

Crypto Trading Cards e sua relação com o Ordinals NFTs no Bitcoin

 

E assim foi feito. Assim, embora os “NFTs” existam no Bitcoin há muitos anos, como vimos no caso dos famosos memes Rare Pepes que ganharam visibilidade por meio do protocolo Counterparty, fundado em 2014, o novo projeto de ordinais do desenvolvedor Casey Rodarmor torna possível inscrever praticamente todo o espaço do bloco com este tipo de mídias digitais. E mais:

tudo isso feito de forma diretamente on-chain, no próprio protocolo Bitcoin, ao invés de depender de soluções externas. Basicamente, para que isso possa acontecer, precisamos explicar a conjunção de dois fatores:

 

1) Ordinais

Sabemos que cada bitcoin é composto por 100 milhões de satoshis, como são chamadas suas menores frações. Como esses bitcoins são, e continuarão sendo, emitidos até um limite máximo de 21 milhões de unidades como forma de recompensa para os mineradores, estamos falando de um total de 4.1 quatrilhões de satoshis!

A nível de protocolo Bitcoin, esses satoshis são completamente fungíveis, o que significa que não há a menor diferença entre eles.

A ideia do protocolo Ordinals, no entanto, é atribuir um número ordinal único a cada um desses satoshis de forma que eles possam ser individualmente contabilizados e rastreados. Esse processo de numeração não acontece por meio de uma atualização técnica da rede, mas consiste em um “acordo de cavalheiros” que concorda em contar os satoshis dessa forma, um grande acordo social.

É por isto que muita gente se refere a esse processo como “olhar pela lente dos ordinais”. O fato é que, sob essa ótica, há uma numeração sequencial dos satoshis de 1 a 4.1 quatrilhões.

Casey Rodarmor vai além e estabelece níveis diferentes de raridade para cada um deles, o que por si só já gera uma infungibilidade, ainda que forçada e artificial. Afinal, imagine o primeiro satoshi do primeiro bloco da história do Bitcoin?

Com certeza, por essa perspectiva, ele vale mais do que um satoshi aleatório qualquer, certo?

Ainda que a nível de usabilidade, ele seja usado no dia-a-dia da mesma forma que sempre foi.

imagem ilustrando um pouco sobre o Ordinals NFTs no Bitcoin

 

Uma boa analogia é pensar em moedas raras. Ainda que uma moeda de 1 real das olimpíadas no Rio de Janeiro continue tendo seu valor comercial de sempre, podendo ser usada para comprar um saco de pão, por exemplo, pode ter muito mais valor para alguns colecionadores em razão da sua raridade, já que foi feita para um evento específico ou em um ano específico. Assim, enquanto uma pessoa hipotética “A” pode não estar nem aí para isso e usá-la para transacionar algo de 1 real no dia-a-dia, um colecionador hipotético “B” pode estar disposto a pagar milhares de reais pela moeda.

 

2) Inscrições

De forma resumida, acabamos de ver que os “ordinais” são rastreadores de satoshis capazes de identificar o momento em que foram minerados e permitir que sejam classificados em mais ou menos raros. Já as inscrições, como o nome sugere, consistem na possibilidade de inscrever dados arbitrários como imagens, vídeos, textos, áudios e jogos nas transações dentro de blocos do Bitcoin.

E de que forma os dois temas se conectam?

De forma bem inteligente, na verdade. Ao inscrever essas informações nas transações, elas são anexadas aos satoshis numerados que acabamos de ver. Como agora esses satoshis ganharam caráter de unicidade e infungibilidade, possuindo um número próprio que o identifica, são utilizados como rastreadores/identificadores desses conteúdos que foram anexados!

Abaixo, um exemplo:

foto ilustrando um exemplo de informações nas transações e como são anexadas aos satoshis numerados

 

Vemos a inscription número #159436, que consiste na imagem desse homem fumando um cachimbo em um fundo laranja. No segundo retângulo azul, destacamos a transação responsável por inscrevê-la na blockchain, enquanto o primeiro retângulo azul destaca o satoshi específico ao qual ela está vinculada, responsável por identifica-la de forma única.

Vale destacar que, antes dos Ordinais, já era possível inscrevermos dados arbitrários no Bitcoin utilizando uma função chamada OP_RETURN, tanto que o próprio Satoshi Nakamoto colocou, no bloco gênesis, a manchete do New York Times falando sobre a crise financeira de 2008. No entanto, havia uma limitação de 80 bytes que, posteriormente, foi superada por meio das atualizações SegWit e Taproot, possibilitando que as atuais inscriptions ocupem todos os 4MB de um bloco, ainda que esse não fosse o objetivo das mudanças.

 

NFTs no Bitcoin ou Artefatos Digitais?

Casey Rodarmos, criador do Ordinals, prefere utilizar a terminologia “Artefatos Digitais” tendo em vista que essas mídias inscritas no Bitcoin são completamente diferentes dos NFTs vistos em plataformas de contratos inteligentes como a Ethereum. Vamos utilizá-la como exemplo de comparação.

Cada novo NFT mintado na Ethereum é um token próprio formatado no padrão ERC-721. Além disso, esses NFTs derivam de dados armazenados de forma off-chain, ou seja, fora da própria Ethereum, como em plataformas como a Interplanetary File System (IPFS). Isso abre margem para que os metadados sejam posteriormente alterados ou excluídos pelo criador do contrato inteligente, principalmente se o armazenamento estiver sendo feito em um banco de dados centralizado.

Por outro lado, no caso dos Ordinais, as inscrições não criam novos tokens, e sim vinculam dados arbitrários a satoshis já existentes. Além disso, o armazenamento dos dados é feito diretamente on-chain, ou seja, no próprio Bitcoin, contando com sua segurança e descentralização ao invés de simplesmente conter um link apontando para um servidor externo que hospeda esses dados. Como estas mídias ficam para sempre consagradas na blockchain do Bitcoin de forma imutável, Casey prefere o termo “artefatos digitais”.

Você pode acompanhar os dados relacionados às inscrições por meio deste dashboard da Dune Analytics.

 

Afinal, como o protocolo Ordinals impacta o Bitcoin? É bom ou é ruim?

Apesar de parecer uma inovação simples e inofensiva, seus reflexos podem ser bastante profundos para o futuro da rede. As discussões são complexas e se desenrolam, basicamente, em torno do “espaço de bloco” e do objetivo do Bitcoin.

De um lado, os defensores dos Ordinais argumentam que, como o Bitcoin dependerá apenas das taxas para se manter vivo no futuro assim que a quantia de 21 milhões de BTCs minerados for alcançada, o fato de termos artefatos digitais competindo com transações para entrar nos blocos aumenta a demanda por espaço.

Com essa maior amplitude de casos de uso, naturalmente haverá um maior número de transações e, consequentemente, mais taxas sendo pagas aos mineradores, ocasionando em um maior incentivo de segurança na rede. Ou seja, essa linha argumenta que, ainda que ter “NFTs/Artefato” não seja o foco do Bitcoin, o importante é usar a rede e aumentar a demanda da forma que for para, desde já, resolver um problema de “fee market” futuro.

Não há como fugir do debate sobre o “ethos” do Bitcoin, uma vez que milhares de transações estão sendo empurradas para frente, atrasando a rede, para que mídias digitais – que nem sequer deveriam existir no Bitcoin – sejam inscritas e, por vezes, cheguem a dominar praticamente o bloco inteiro, como foi o caso do “The Taproot Wizard” (bloco 774.628) no dia 02 de fevereiro.

imagem ilustrando o impacto do NFTs no Bitcoin

 

Há também uma discussão muito forte em torno da censura, uma vez que estamos vendo a possibilidade de registrarmos informações que nunca mais serão derrubadas. Apesar da faceta positiva inerente a este fato, também é possível que coisas ilegais e antiéticas sejam imortalizadas, o que pode propositalmente ser feito inclusive para sabotar a legalidade do Bitcoin.

A discussão é bastante extensa e, por este motivo, produzimos um relatório completo sobre o tema para assinantes aqui no Hub do Investidor. Clique aqui e acesse já!

 

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Caio Goetze

Formado em Direito pela PUC-RJ e pós-graduando em Direito Digital pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) em parceria com a UERJ, conta com 3 anos de experiência e diversos cursos de formação acadêmica de bagagem no “criptomercado”.

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