Como a investida da SEC vai impactar o mercado crypto e porque os EUA estão dando um “tiro no pé”

SEC e mercado crypto

As acusações da SEC contra a Binance e a Coinbase na semana passada causaram enorme turbulência no mercado crypto, especialmente para os tokens tangencialmente classificados como “securities” nos processos.

Vale lembrar que diversos players do mercado crypto já vinham requisitando uma manifestação da SEC há algum tempo, sem sucesso, em busca de orientações regulatórias claras sobre suas atuações como empresas, bem como por definições jurídicas de diversos ativos.

Agora, da pior forma possível, o órgão regulatório norte-americano finalmente resolveu se expressar sobre 19 criptomoedas. Em suma, a configuração dos ativos “classificados” como securities em ambos os processos foi a seguinte:

 

manifestação da SEC sobre as 19 criptomoedas

 

Vale lembrar que para que sejam classificados como tal, precisam passar pelo crivo do famoso “Howey Test”, que estabelece quatro critérios essenciais na hora de avaliar se um ativo deve ser enquadrado como um “investment contract” (security):

  1. Deve haver um investimento de dinheiro (“investment of money”)
  2. Em um empreendimento em comum (“common enterprise)
  3. Com a expectativa de lucro (“expectation of profit”)
  4. E esse lucro deve ser derivado dos esforços de outros.

 

E o que as 19 criptomoedas acima tem de semelhança?

Primeiramente, em todos os casos houve uma venda inicial de tokens ou alguma forma de fundraising. Além disso, cada um desses projetos se comprometeu a melhorar o protocolo por meio de um desenvolvimento contínuo, incluindo despesas de desenvolvimentos de negócios e marketing. Por fim, as mídias sociais dos projetos foram utilizadas para abordar os recursos e vantagens do protocolo.

Pronto! Esses ingredientes reunidos, na visão da SEC, já embasam o entendimento de que tais ativos devem ser classificados como securities, ainda que muitos avaliem se tratar de uma investida com caráter bem mais político e socioeconômico do que técnico e jurídico.

Mas superadas essas primeiras considerações, o objetivo deste artigo é avaliar quais os impactos e as implicações dessa empreitada obscura…

 

banner whats criptomoedas

 

Atualmente, o marketshare combinado de BTC, ETH e stablecoins está em 80,5% pela primeira vez desde fevereiro de 2021. Além disso, todas as moedas mencionadas como possíveis valores mobiliários nos processos, exceto a SOL, tiveram retornos negativos desde o fundo do BTC em 21 de novembro de 2022.

A atual incerteza tem várias implicações, sendo a mais notável uma possível atitude cautelosa por parte dos investidores institucionais em relação às altcoins. Os fundos de investimento provavelmente adotarão uma abordagem mais “fria” devido às diversas normas de compliance e aos baixos volumes de negociação que temos visto, desestimulando a participação dos agentes do mercado. Isso poderia limitar ainda mais a liquidez e levar a um mercado lento e prolongado.

Esse excesso de zelo, vale ressaltar, é mais do que justificado, uma vez que, caso os ativos sejam oficialmente entendidos como securities pelos tribunais norte-americanos, não poderão mais ser negociados em corretoras dos EUA, motivo pelo qual já vemos exchanges como a Robinhood deslistando-os de suas plataformas.

 

print da publicação da "the coins" sobre a desinstalação do ativo solana da plataforma Robinhood e sua relação com o mercado crypto

 

Portanto, os detentores destes tokens devem se preparar para um possível processo judicial bastante prolongado, talvez nos mesmos moldes daquilo que temos acompanhado contra a XRP, embate que já dura dois anos e meio e traz uma série de implicações práticas no longo prazo.

Vale lembrar que, à época, assim que o caso SEC vs. Ripple veio à tona em dezembro de 2020, a XRP despencou de forma enfática, mas se recuperou juntamente com o restante do mercado ao longo do primeiro trimestre do ano seguinte, registrando ganhos de 650%.

 

SEC e o mercado crypto

 

Assim, apesar do impacto sofrido pelas limitações regulatórias, mas também pelos limitados casos de uso da XRP, ficou evidente que o protocolo sempre se sustentou pela demanda dos investidores de varejo, que não costumam se importar tanto assim com os escrutínios regulatórios. O projeto, de fato, nunca atraiu grande atenção institucional, o que acabou sendo “bom” sob essa perspectiva.

Ao traçarmos um paralelo com o que vivemos agora, no entanto, notamos que os tokens atuais já contam com um apoio institucional significativo, o que pode ser percebido pelos crescentes investimentos de VC nos referidos ecossistemas, como o da Solana. Essa presença institucional, eventualmente sentindo a pressão de forma mais abrupta, pode impactar no preço de tela do token com uma eventual fuga de capital, limitando a capacidade de recuperação dos ativos às suas máximas históricas novamente.

Um contraponto positivo em meio ao caos, no entanto, foi o firme reconhecimento das propriedades de commodity do BTC por parte do presidente da SEC, Gary Gensler. Além disso, o ether (ETH), segunda maior criptomoeda em capitalização de mercado, também não foi implicada nos processos, pelo menos por ora. Esse cenário pode fortalecer a robustez dos dois principais criptoativos.

 

E por falar em Gary Gensler…

Em suma, precisamos ver os próximos rumos (políticos) que essa história tomará. Afinal, o mesmo Gary Gensler que há pouco tempo afirmava que “três quartos do mercado crypto não são de títulos, apenas commodities, uma criptomoeda em dinheiro” enquanto lecionava no curso “Blockchain and Money” do MIT, parece ter mudado radicalmente de percepção sem que houvesse qualquer mudança nos fundamentos dos mesmos ativos a que ele se referia.

Curioso?

Algumas coisas são inegáveis, e uma delas é o fato de que o movimento norte-americano de sufocamento de capital destinado ao mercado crypto é bem mais político do que qualquer outra coisa.

Com o estreitamento financeiro visto no início do ano e as investidas regulatórias descoordenadas contra as corretoras (haja vista que o próprio juiz federal responsável pelo caso da Binance não acatou o pedido da SEC para congelar os ativos da Binance.US), a indústria crypto tem dado “tchau” para as operações na terra do Tio Sam. Não sei se por desconhecimento, falta de preparo, medo de competitividade com o dólar, ou ingenuidade, os EUA vem atuando com força máxima para cercear as criptomoedas. E o tiro vai saindo pela culatra…

SEC, Coinbase, Binance e o mercado crypto

 

Em contrapartida, outros países aproveitam a migração e abraçam a indústria…

A China, que havia proibido a mineração de bitcoin em 2017, vem revendo sua posição e atraindo cada vez mais capital intelectual e financeiro para o setor.

No último dia 12, o Bank of China International, controlado pelo banco estatal chinês, anunciou que emitiu 200 milhões de yuans digitais (US$ 28 milhões) na rede Ethereum.

Já o documento da Atlantis Press divulgado ontem, denominado “Experiência estrangeira e russa de digitalização de blockchain por bancos centrais, empresas financeiras e de tecnologia” menciona a Ripple/XRP (a mesma envolvida no processo norte-americano) mais de 10 vezes como a possível escolha a ser utilizada!

Nos EUA, enquanto isso, a Apple discutia a remoção da rede social Damus de sua plataforma App Store por possibilitar “gorjetas” em BTC.

Simbólicos os caminhos tomados de todos os lados…

No entanto, em contraponto, o whitepaper do Bitcoin era lido nos comentários de abertura do House Financial Committee dos EUA. Há esperança, e talvez o melhor caminho seja manter Gary Gensler na presidência da SEC para que fiquem evidenciadas todas as inconsistências envolvidas no caso.

 

Caio Goetze

Formado em Direito pela PUC-RJ e pós-graduando em Direito Digital pelo Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) em parceria com a UERJ, conta com 3 anos de experiência e diversos cursos de formação acadêmica de bagagem no “criptomercado”.

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