Na última quarta-feira (11/01), o mercado financeiro foi surpreendido quando a Americanas comunicou que havia identificado diversas “inconsistências em lançamentos contábeis” realizadas em exercícios anteriores, incluindo 2022, encontrando inicialmente um rombo de até R$ 20 bilhões em seu balanço patrimonial.
Entre as inconsistências, a área contábil da companhia verificou a existência de operações de financiamento de compras nas quais a Americanas é devedora perante instituições financeiras, o que não se encontrava adequadamente refletido nas demonstrações contábeis datadas de 30 de setembro do ano passado.
O “fato relevante” emitido pela empresa pode ser lido clicando na imagem abaixo:
Após a descoberta e diante destes fatos, o Diretor-Presidente, Sergio Rial, e o Diretor de Relações com Investidores, André Covre, que haviam sido recém-empossados no dia 2 de janeiro, deixaram a companhia.
De acordo com Sergio, o problema já se arrastava – por trás das cortinas – por cerca de 7 a 9 anos. Como não poderia ser diferente, as ações da companhia caíram quase 80% no dia seguinte.
Na sexta-feira (13/01), a Americanas anunciou que entraria com pedido de recuperação judicial devido às dívidas que chegam, na verdade, a R$ 40 bi.
Ontem (16/01), advogados do escritório Galdino & Coelho, que representa a BTG Pactual, divulgaram uma petição com duras palavras contra Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Entre outras coisas, os advogados afirmam que “[…] o modus operandi dos bilionários da 3G parece ser sucesso a qualquer custo, ainda que isso cause qualquer tipo de prejuízo ao mercado”. E vão além…
Acusam a Americanas de ter praticado uma fraude contábil semelhante à da Kraft Heinz que manipulou informações de contabilidade em 2019 e foi multada em US$ 62 milhões nos Estados Unidos.
O BTG Pactual também levanta suspeitas de que a operação que levou à saída do trio da 3G do controle da Americanas no ano passado tenha sido um “ardil”. Chegam, inclusive, a classificar o episódio como “maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país”.
Mas o que isso tem a ver com o mercado de criptomoedas?
Pois bem, episódios “problemáticos” – para dizer o mínimo – relacionados a balanços patrimoniais se mostraram presentes também no ecossistema crypto. Quem não se lembra dos balanços privados da Alameda Research que foram vazados ao público a partir de um furo jornalístico da Coindesk?
Ainda que estivesse positivo, um altíssimo percentual dos ativos da Alameda consistia em tokens extremamente ilíquidos e, no caso do FTT, auto-emitidos pela FTX.
Em síntese, vimos aproximadamente US$ 1 bilhão em ativos líquidos contra US$ 9 bi em “liabilities”. Portanto, as consequências no mercado iniciadas lá atrás pelo crash do ecossistema Terra Luna, seguem gerando um efeito em cascata que foi catalisado ainda mais por esse colapso das empresas de Sam Bankman-Fried.
Dando continuidade ao efeito dominó, atualmente vemos os irmãos Winklevoss, fundadores da Gemini, acusando a Genesis de ter cometido “fraude contábil” ao deturpar o balanço patrimonial da empresa, simulando que seu caixa estava muito mais saudável do que de fato está. De acordo com Cameron, um dos irmãos Winklevoss, a DCG não absorveu as perdas da Genesis como dava a entender que teria feito, e somente deu uma nota promissória afirmando que disponibilizaria US$ 1 bilhão em dez anos. A nota teria sido registrada como “ativo circulante”, induzindo o mercado e os credores a erro.
Mas o que o caso da Americanas e as recentes quebras do mercado de criptomoedas tem em comum?
A resposta é bastante simples: em ambos os cenários, o colapso – financeiro e moral – aconteceu justamente com (e em função de) players centralizados que utilizam o modelo tradicional. Com as implosões vistas em 2022, os agentes centralizados do mundo crypto também passaram a sofrer uma forte pressão da comunidade por auditorias e divulgações de seus balanços, dando origem ao movimento de “Proof-of-Reserves” responsável por atestar a existência dos ativos sob custódia.
E a pressão sobre essas companhias centralizadas de auditoria também foi tão grande que gigantes como a Mazars interromperam suas atividades para empresas do mundo das criptomoedas. Ou seja, ao contrário do que muitos “outsiders” podem achar, a ruptura da FTX e as suas consequências evidenciaram ainda mais a necessidade por um ambiente descentralizado e “auto-auditável” a partir dos dados disponíveis.
Ficou claro que o problema está justamente no componente centralizador e trustfulness tradicional!
Afinal, não à toa, quando o episódio da FTX veio à tona, vimos enormes saídas de capital das corretoras centralizadas em direção às carteiras pessoais e ao ecossistema de finanças descentralizadas (DeFi).
Escrevemos um artigo abordando o tema e analisando o supracitado movimento e vamos entender melhor sobre o que estamos falando no tópico a seguir.
Falha do sistema tradicional? Blockchain resolve!
No caso de companhias de capital aberto, como é o caso da Americanas, sabemos que elas são obrigadas a divulgar suas demonstrações financeiras entre 30 e 45 dias após o fechamento trimestral, oferecendo um panorama sobre como estão seus negócios e sua saúde financeira aos investidores e ao mercado.
Ainda que precisem seguir uma série de diretrizes impostas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pela B3 no intuito de garantir maior segurança para o mercado de capitais, não há uma total transparência sobre os dados dessas empresas registradas na bolsa. Isso faz com que, querendo ou não, precisemos confiar nas informações disponibilizadas e nos processos de verificação desempenhados pelos órgãos públicos competentes. E isso vai na linha completamente oposta do ambiente “trustless” das blockchains.
Além disso, algumas outras informações como dados internos, contratos em aberto, dívidas, saldo de contas, etc. não costumam ser tão públicos quanto a divulgação dos balanços. Portanto, ainda que haja uma forte regulação, o sistema financeiro tradicional já viu e continuará vendo empresas implodindo do dia para a noite. O caso da Americanas não foi o primeiro e, provavelmente, não será o último.
Em contrapartida ao sistema tradicional, ao invés de confiar, as blockchains fornecem a possibilidade de auditar os dados. Elas atuam como enormes livros-razão onde há o registro público de todas as transações que são feitas e, ainda que sejam quase intuitivamente associadas às criptomoedas, são aplicáveis a diversos outros fins também.
Assim, qualquer usuário é capaz de checar as informações inseridas a qualquer momento e, por conta própria, verificar o que está acontecendo sem depender da confiança das informações passadas pelas empresas, conferindo a transparência necessária para evitar casos como esse desde que essas companhias tenham todo seu sistema contábil e financeiro registrados em blockchain.
Não há para onde fugir: o caminho passa inevitavelmente pelo futuro descentralizado das criptomoedas ou, no mínimo, por um ambiente híbrido onde o mercado convencional precisará se render e adotar aspectos do ambiente descentralizado.
O fato é um só. Com o uso de blockchain, o rombo da Americanas não passaria desapercebido nem por algumas horas!